À hora marcada, ele toca à campainha - já devidamente equipado com um ramo de margaridas - e pede-lhe que desça. O dia no escritório tinha sido absolutamente infernal. Espera quarenta e sete minutos e meio e quando a vê, sorri-lhe como se tivesse acabado de chegar. Ajuda-a a abrir a porta de casa e, num mesmo momento, a fechá-la. Cumprimenta-a com um beijinho e oferece-lhe as flores, em forma de ramo. Abre-lhe a porta do carro, espera que ela entre e fecha-a, de seguida. Ele entra depois. Ele sempre depois. Chegam ao restaurante preferido dela, ele abre-lhe a porta do carro, fechando-a de imediato, entrega as chaves do carro ao porteiro, dá a dianteira à sua mulher e vão para a mesa em frente ao mar. A mesa dela. Puxa a cadeira antes que ela se sente, ajeitando-a, depois, de forma confortável. A lista das iguarias é diferente. A dela não tem preço. No fim, ele paga a conta, "por supuesto". Chegados a sua casa - de ambos, note-se - ela toma a dianteira rumo à casa de banho - de ambos, again - onde, num ritual nunca rápido, se desmaquilha e prepara para uma boa noite de sono. Ele, extenuado por um dia de trabalho frenético, adormece em frente ao televisor que ligara maquinalmente. Acorda, estremunhado duas horas depois. Dirige-se ao quarto de banho, deixado numa curiosa e habitual - registe-se - desordenação e prepara-se para a continuação do sono. Não sem antes deixar cair uma festa enternecida na cabeça dela. Não sem antes a beijar, com o amor que sempre lhe teve. Amanhã - quarta-feira - vão os dois ao super-mercado. Cumprem, assim, um ritual antigo. Sempre à segunda quarta-feira do mês. Ela de papel na mão e dedo indicador em riste dá-lhe as pistas rumo à descoberta das compras - sejam elas, couve lombarda, super-pop limão ou queijo edam meio gordo -, rumo que ele segue religiosamente. Formámos uma boa equipa, pensa ela. No final, carrinho cheio rumo à caixa, ela ultrapassa-o e, num arremedo de voluntarismo, diz-lhe que, desta vez - frisando bem o facto de ser só desta vez -, coloca os produtos comprados nos respectivos sacos de plástico. Ele agradece-lhe, paga a conta e carrega com as compras. Abre a porta do carro, a dela, claro, deixa-a entrar e fecha-a. Abre a mala, coloca lá tudo que é saco e senta-se, arfando...ainda que levemente. Chegados à garagem de casa e depois de ele lhe abrir a porta, dá-lhe - a ela, claro - uma súbita vontade de ir à casa de banho. "Vai lá querida, eu levo isto. Não te preocupes, já falta pouco", diz ele. Ao que ela sorri e, com a confiança que Deus lhe deu, solta esta pérola: "Hoje tens de carregar no botão do elevador sozinho, querido...mas, como "te" meti as coisas nos sacos, estamos quites, verdade?.." Ele não resiste a sorrir, com aquele mesmo sorriso com que a esperou no altar, faz, por agora, um "rôr" de anos.
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Questão de cultura ou machismo, ou melhor, será o machismo, apenas, uma questão cultural?
"Terra"
2 comentários:
:)
Entendo...
Como diz (ela), fazem uma "boa equipa". Não é (também) importante?!
Lá está, machismos...? Talvez!
Está a ver?..nada é a preto e branco. São, apenas, diferentes perspectivas de uma mesma realidade. Gostei da história da "boa equipa". E, repare, não são os sentimentos que ambos nutrem pelo outro que estão em causa.
Gostei das visitas. Keep in touch!
"Terra"
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