Dizem que com o avançar da idade, a capacidade de nos surpreendermos diminui drasticamente. O tempo, dizem, dá-nos aquela falsa presunção de tudo sabermos, de tudo já termos visto e, mais, dá-nos aquele travo, tantas vezes amargo, de que o futuro de bom nada nos trará.
"Antigamente é que era", ou "eu ainda sou do tempo em que", seguido de qualquer revelação absolutamente fantástica e inigualável ou, ainda, "dantes não havia nada disto, é certo, mas a qualidade de vida era muito superior à de hoje".
Resumindo, não só perdemos a capacidade de sermos surpreendidos - por coisas positivas, note-se, que para coisa negativas estamos sempre prontos - como temos uma visão nostálgica e quase idílica do que passou, por contraponto às tempestades que se avizinham.
Tudo isto se pode resumir em duas expressões: memória selectiva e acomodação. Só nos lembramos das coisas boas e só quando dá jeito para as confrontarmos com coisas piores que nos estão mais próximas; por outro lado desistimos de procurar, abandonamos a curiosidade e entregamos a vida ao ram-ram da rotina, quais cadáveres adiados.
É o resultado do avançar da idade, dizem.
Pois permito-me discordar. Não sei se é por ter uma péssima memória ou se por ter um conceito de acomodação que é tido por desconfortável para a "maioria". Acomodo-me numa boa refrega, num debate, num conflito, num braço-de-ferro, numa guerra ou...nos tumultos de uma paixão. Aí moldo-me e moldo a minha personalidade.
Constantemente.
E surpreendo-me, tanto! Tanto e todos os dias. É, talvez seja da fraca memória, mas...a cor do mar parece-me diferente todos os dias e as ondas de todas as formas e feitios cada vez menos inteligíveis...e as flores...cada pétala tem uma margarida diferente e cada Margarida tem sempre, acho que o posso dizer, um cantinho sagrado de surpresa. Mesmo as ruas, com as suas esquinas imóveis, podem surprender-nos por um olhar diferente ou com a ajuda de um raio de luz amigo.
E as mulheres, meu Deus...as mulheres...recuso-me a desistir; embora o devesse fazer, dizem-me, nomeadamente a minha consciência. Sim, as mulheres são a mais bela e infinita surpresa que existe à face da terra e...do sonho. Sim, porque o sonho é, também, feito de surpresa.
Não desisto de me surpreender, de me querer surpreender e acomodo-me na sedução, em dar e (re)tomar o jogo...em olhar...em olhar-te nos olhos e sentir-te a pele rendendo-me às armadilhas da tua inteligência....
...como a abelha se rende ao pólen da Margarida que a seduz com o movimento das suas pétalas.
"Terra"