"Nós temos em nós, como um bloco de mármore para o escultor, uma infinidade de modos de ser. E vamo-los sendo na aprendizagem da vida e nos mil acidentes desse aprender. Mas sobretudo nas mil ideias que os outros semeiam em nós para irmos sabendo coisas e ter o gosto desse saber. Porque gostamos de saber sem jamais nos perguntarmos a razão desse gostar. É um gosto que se justifica por si próprio, que está aí como as pedras. Mas porque há-de saber-se a morte, que, aliás, nunca se aprende? E a angústia e a inquietação e os chamados problemas de consciência que, aliás, variam conforme as circunstâncias? Porque é que o saber é bom? Temos orgulho em sabermos, mas ninguém nos ensina a razão desse orgulho, a não ser pelo orgulho, mesmo que o resultado seja a doer. Ser homem, enfrentar o risco, ter mão no que nos rodeia e assim. O ignorante, se soubesse o seu não-saber, podia dar também as suas razões, como as dá o que assume a sua ignorância. Mas o mais difícil de aprender é a morte, que é o que devia ser mais fácil por no-la ensinar o quotidiano. E não apenas pelo seu impossível, mas pelo maior desmentido que ela nos inflige à importância do saber. Mas é para se ser importante que a gente sabe. E na morte não se tem já importância nenhuma. Sabê-la para quê?"
Virgílio Ferreira in Pensar
"Terra"
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