Corrida sem meta à vista

Nos dias que passam somos como que obrigados a seguir em frente. Caso contrário provocamos um choque com alguém que, na linha de montagem, se encontra imediatamente atrás de nós e se desloca ao ritmo alucinante do politicamente correcto. Será isto, por si só, negativo? Direi, quase instintivamente, que não. No entanto, a resposta será outra se à pergunta: "para onde seguimos?", a resposta for um indiferente "não sei". Quem avança sem um objectivo determinado - e quem avança muito e muito depressa, como acontece actualmente na "civilização" ocidental - corre o enorme risco de, à medida que o cansaço se vai instalando, perder não só a força física, mas também a lucidez e com ela a referência ao espaço, ao tempo, à própria identidade e a valores, até há bem pouco tempo, absolutamente inquestionáveis para a nossa "civilização".

Somos obrigados a trabalhar melhor - e se possível mais - somos convocados a ser mais competitivos, a produzir mais, a ganhar mais dinheiro, a gastar mais dinheiro, a ter um carro e uma casa maiores - ainda que não nos preocupemos em fazer um "upgrade" com as escolas dos nossos filhos - somos, por fim, seduzidos por uma filosofia de exposição. O que aparece é o que existe: "Se não apareces, não existes". A lufa-lufa e o corropio da rotina, a obrigação de preenchermos com actividade todos os segundos da nossa existência distraem-nos do essencial.

A curiosidade, o facto de pararmos para questionar, a coragem e a - diria - pós-modernidade de dizer não fruto de um raciocínio, ao invés de um mecânico e habitual sim "civilizacional" estão, declaradamente, fora de moda. A vida está para os carneiros.

Interroguemo-nos sobre o caminho a seguir - claro - mas não nos esqueçamos de definir o objectivo a alcançar. Caso contrário, na salgalhada cultural em que vivemos, cada vez mais teremos menos tempo para descobrir o essencial. Cada vez mais relativizaremos valores, outrora, absolutos...cada vez mais analisaremos questões verdadeiramente civilizacionais e de princípio à luz unicamente da nossa indiferente e cansada análise. E as questões verdadeiramente civilizacionais não podem ser discutidas na base da consciência pessoal de cada um. Não é possível - sob o risco de perdermos o denominador comum da vida em comunidade - relativizar valores tão absolutos como o bem e o mal, como a vida e a morte...nem sequer é possível colocá-los à discussão e no mesmo prato da balança de valores, obviamente defensáveis mas de uma dimensão incomensuravelmente menor.

Os valores absolutos unem e servem de elemento agregador, permitindo uma coexistência pacífica das diferenças. No dia em que, também eles, sejam relativizados e em que cada um de nós passe a pensar e a agir única e exclusivamente por si próprio, no dia em que perdermos esse elemento agregador, a vida em sociedade estará seriamente ferida. Pelo menos a vida em sociedade, tal qual a temos hoje e aprendemos a respeitar.

"Terra"