sexta-feira, fevereiro 23, 2007

A pergunta que se impõe

Será que ainda os tem no sítio?

"Terra"

O tempo

Ainda me lembro do tempo que demorávamos a lá chegar. Saímos logo a seguir ao almoço, malas e mais maletas - carregadas pelos mais velhos - e um lanche melhorado para triturarmos lá para meio da viagem. O cheiro a gasóleo na gare de S. Bento refinava a nossa excitação. Risos nervosos e piadas sem graça, correrias cegas e pulos curtinhos, quais pardais em busca de migalhas deixadas cair por um qualquer transeunte.
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Era sempre assim quando, em Setembro íamos para o Douro. A Avó paterna a comandar as tropas, com a primalhada e, por vezes, alguns tios. O percurso de intermináveis horas passava depressa. Lá chegados tínhamos sempre algo para petiscar preparado com toda a amizade pelos caseiros. Sim amizade. Não tenho e graças aos pais nunca tive das relações hierárquicas (profissionais ou sociais) uma visão marxista. Havia amizade mesmo.
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À noite fazíamos fila para ir à barrela. Uma única casa de banho e àgua aquecida em potes. Era uma paródia...à luz da vela ou de candeeiros a petróleo. Não havia àgua corrente nem luz eléctrica...não havia televisão.
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Mas havia um sentir do tempo feito do fortalecimento de laços afectivos, feito do ser família e do ser-se em família...o tempo tinha um sabor mais lento, mais sofisticado, mais apaladado. Tinhamos tempo para o tempo.
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O tempo que o relógio da fotografia continua a controlar, agora de forma mais rápida e, seguramente, menos sentida.
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"Terra"

Barba

O que se esconde... por tràs de uma barba? Feições? Afeições?...
O que seduz quando se cofia uma barba? Ego? Entrego?...
Porque se apara a barba? Pelo outro? Por mim?
Porque picam os beijos? Quero mais! Mais nenhum?
Porque afaga a barba? quero colo? Travesseiro?

E o céu? Porque é azul?

"Fogo"

A meu favor

A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio
algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer

A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.

Alexandre O´Neil

"Fogo"

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Sinnerman

I Started A Joke

os enganos e desenganos da vida têm musica de fundo... o filme da vida desenrola-se na banda sonora que o compõe.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Citando...

Imaginei sempre várias formas de fracasso. Várias menos esta: não acreditar em nada. É o maior castigo para quem teve uma formação baseada em certezas, crenças, convicções. É como porem um fidalgo numa estrebaria. É o castigo adequado para mim.

in http://estadocivil.blogspot.com/

"Fogo"

Segredos




Olá, onde estás? Eu: Vou ao cinema. Não me perguntas com quem estou, com quem vou. Espero que o faças e o silêncio paira sobre nós como um albatroz contra o vento, ocupa espaço, incomoda. Da minha parte, porque imagino que não o queiras saber; da tua, porque achas que não tens o direito de mo perguntar. Imagino que estejas acompanhada, mas claro que isso não é nada comigo… Eu, surprendida pela suposição, a marear pelas ondas da desconversa, à procura, no horizonte das palavras difíceis, pela pergunta que gostaria de ter ouvido. Que pena, que não te aches no direito de perguntar, digo, significa que o inverso também é verdadeiro: que não me achas no direito de TO perguntar. (com quem estás, de onde vens, para onde vais). Mas podes perguntar com quem estou que eu respondo, não te tenho segredos. Ele, Não, deixa lá, diverte-te.


"Fogo"

Feira das vaidades

Vanity Fair




Belzebu: Escreve, ande lá mano!

Dinato: Que me mandas assentar?

Belzebu: Põe aí mui declarado, não te fique no tinteiro:

Todo-o-Mundo é lisonjeiro,e Ninguém desenganado.


[Excerto do AUTO DA LUSITÂNIA de Gil Vicente (1532)]



"Fogo"

Resignação...

...é o que, sem querer recorrer a uma análise politicamente correcta da conjuntura, se me oferece dizer acerca do olhar destes miúdos-homens.

"Terra"

Old like dust

...o velho pick-up ou, de forma mais lusitana, o gira-discos...e o prório do disco.

"Terra"

Cuba

A história - como o próprio quer - julgá-lo-á. E, ou me engano muito, ou será mais assassina que a sua dolorosa morte lenta. Será implacável e cruel.
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Não se pode amar a terra mãe com desprezo pelos irmãos conterrâneos, não se pode impôr a miséria e viver-se com fausto, não se pode, manipulando a informação, esconder e impedir a chegada de uma nova ordem mundial.
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O futuro de Cuba não está assegurado com a anunciada morte do sanguinário ditador, claro, é preciso ajudar o extraordinário povo cubano, é óbvio, mas acima de tudo torna-se imperioso muni-lo de instrumentos que tornem possível uma escolha responsável e consciente.
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E, já agora, que de "Vitória o Muerte!", o povo cubano possa passar a viver sob o lema de "Vitória y Vida!".
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"Terra"

A primária, a escola e a professora

Banho ao fim da tarde, dado por uma velha empregada velha que me ajustava o roupão e com uma palmada no rabo me despachava para a frente do televisor. Naquela altura, lembro-me de " Os 4 blindados e o seu cão" - drama relatando o final da 2ª Guerra e, mais a brincar, o "Vicking" de cujos cromos também era coleccionador. Depois, a mãe enfiava-me a comida pela boca a baixo e, acto contínuo, seguia para a sala onde esperava pelo pai. Ao ouvir a chave a entrar na porta corria para as suas pernas - só mais tarde e mais alto lhe podia chegar aos braços.
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Depois de uma ligeira descrição da longa jornada do dia, ía lavar os dentes e, de seguida: cama! Deitava-me, rezava um bocadinho (primeiro de joelhos, mais tarde deitado) e chamava pelos pais que lá iam dar-me as boas noites. Mais tarde, o pai voltava a passar por lá e, na sua eterna ternura, dava-me uma festa por cima da roupa da cama, fazendo com que esta se moldasse, confortavelmente, ao meu corpo. Nessa altura, sim, estava pronto a dormir.
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De manhã, ainda trôpego de sono, vestia-me, calçava-me sentado - o que irritava, particularmente os pais - e tomava o pequeno-almoço. Café com leite (desde muito cedo) e pão fresco com manteiga. Depois, batia a porta e seguia para a escola a pé. De pasta de couro - já batida - na mão. Ainda me lembro do cheiro da pele e do que a pasta levava. Os livros e os cadernos, claro, mas também uma bolsinha feita à mão onde colocava religiosamente, o pão com manteiga que amenizava a fomeca a meio da manhã.
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Chegado à escola, poisava a pasta na minha carteira de madeira - tal e qual a da fotografia - e corria para o campo de futebol onde dava uns "toques" antes mesmo de aula começar. Era um fanático da bola e as botas de carneira (transmontanas) com que costumava andar davam, invariavelmente, sinais de uma fadiga precoce. Depois, bom, depois eram as aulas. Ia aprendendo as coisas com uma natural curiosidade e já, então, com um espirito de contradição que hoje me caracteriza (para o bem e para o mal). Tinha muito bom feitio, o que indubitavelmente, perdi e uma tendência, diria muito saudável, para a risota. O que me custou umas dezenas de reguadas. Bem dadas na sua grande maioria, diga-se.
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E o relógio - tal qual o da fotografia - não estava nas nossas costas mas, ao invés, à nossa frente, o que dava para, de uma forma dissimulada, ir arrumando as coisas 5 minutos antes de "tocar".
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Eram a minha primária, a minha escola e a minha professora.
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Eram tempos de joelhos esmurrados, de calções de padrão escocês e de remendos nos cotovelos...e de um certo ar de rufía dono do mundo que amuava com um raspanete e que ganhava o mundo quando sentia as chaves na porta...
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...o pai a chegar.
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"Terra"

Aurora