quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Profundamente verdadeiro...verdadeiramente profundo

"...É exactamente porque não há solidão que dizes que há solidão. Imagina que eras o único homem no universo. Imagina que nascias de uma árvore, ou antes, porque eu quero pôr a hipótese de que não há árvores, nem astros, nem nada com que te confrontes: supõe que o universo é só o vazio e que tu nascias no meio desse vazio, sem nada para te confrontares. Como dizeres «eu estou sozinho»? Para pensares em «eu» e em «sozinho» tinhas de pensar em «tu» e em «companhia». Só há solidão «porque» vivemos com os outros..."

Vergílio Ferreira, in 'Estrela Polar'
.
"Terra"

E... a Branca de Neve?




"Por alguma razão, nada me parece tão lúbrico e devasso quanto anões besuntados numa orgia. Mas não falo por experiência."

Luis Fernando Verissimo-entrevista à revista Oi


"Fogo"

Diferenças convergentes

Somos diferentes, tu e eu.
Tens forma e graça
e a sabedoria de só saber crescer
até dar pé.
E não sei onde quero chegar
e só sirvo para uma coisa
- que não sei qual é!
És de outra pipa
e eu de um cripto.
Tu, lipa
Eu, calipto.

Gostas de um som tempestade
roque lenha
muito heavy
Prefiro o barroco italiano
e dos alemães
o mais leve.
És vidrada no Lobão
eu sou mais albônico.
Tu,fão.
Eu,fônico.

És suculenta
e selvagem
como uma fruta do trópico
Eu já sequei
e me resignei
como um socialista utópico.
Tu não tens nada de mim
eu não tenho nada teu.
Tu,piniquim.
Eu,ropeu.

Gostas daquelas festas
que começam mal e terminam pior.
Gosto de graves rituais
em que sou pertinente
e, ao mesmo tempo, o prior.
Tu és um corpo e eu um vulto,
és uma miss, eu um místico.
Tu,multo.
Eu,carístico.

És colorida,
um pouco aérea,
e só pensas em ti.
Sou meio cinzento,
algo rasteiro,
e só penso em Pi.
Somos cada um de um pano
uma sã e o outro insano.
Tu,cano.
Eu,clidiano.

Dizes na cara
o que te vem a cabeça
com coragem e ânimo.
Hesito entre duas palavras,
escolho uma terceira
e no fim digo o sinônimo.
Tu não temes o engano
enquanto eu cismo.
Tu,tano.
Eu,femismo.

Luís Fernando Veríssimo
.
"Terra"
Atiraraste-me a chave pra cima da mesa... bateste a porta.
- "até sempre" balbuciaste antes de sair.
E atràs de ti ficou o silêncio... o vazio que o sempre em si transporta.
O indefinido que nos esbarra ao virar da esquina... o desconforto de deixar parte de mim. As virtualidades da distância, desejos latentes alimentados por palavras e silêncios, proximidades e tangências...

"Fogo"

Estàs aí?




Esperei muito tempo. Pareceu-me que ele ia se aquecendo de novo, pouco a pouco:

- Meu querido, tu tiveste medo... É claro que tivera. Mas ele sorriu docemente.

- Terei mais medo ainda esta noite... O sentimento do irreparável gelou-me de novo.

E eu compreendi que não podia suportar a ideia de nunca mais escutar esse riso.

Ele era para mim como uma fonte no deserto.

.....

- Pronto... Acabou-se... Hesitou ainda um pouco, depois ergueu-se.

Deu um passo. Eu... eu não podia mover-me. Houve apenas um clarão amarelo perto da sua perna. Permaneceu, por um instante, imóvel. Não gritou.

Tombou devagarinho como uma árvore tomba.

.....

Antoine de Saint-Exupéry- o Principezinho

"Fogo"

quarta-feira, janeiro 31, 2007

Foi o tempo...

"Adeus...
.
Adeus, disse a raposa. Vou-te contar o tal segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos...
.
O essencial é invisível para os olhos – repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
.
Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.
.
Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... Repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
.
Os homens já se esqueceram desta verdade, disse a raposa. Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que cativas. Tu és responsável pela tua rosa..."
.
Antoine de Saint-Exupèry in "O Principezinho"
.
"Terra"

Disco lights...revisited (continuação)

...e sim o Cais 447 e antes dele a Koolcat...era a mais radical das discotecas "mainstream" do Porto, boa música, ambiente heterógeneo - aí presenciei o primeiro beijo homosexual - bailarinas bem-despidas em cima das colunas. Mulheres mais velhas, o que para um miúdo de 19 anos quereria dizer que andavam aí pelos vinte e cinco, vinte e seis anos. Uma loucura, uns trapos. Ridículo!.. O Cais tinha um ar underground que me fascinava, o passaporte para um mundo que não era o meu mas pelo qual tinha uma certa curiosidade. Gente da noite, no limite da legalidade, estilo de vida pouco ortodoxo. O Cais era a mais cosmopolita das nossas discos. Gente esquisita, gente normal e babies, meu Deus, as babies...kilos delas, para todos os gostos.

O Cais era, de certa forma o Limelight portuense. Para quem não esteja a ver a coisa, o Limelight foi, no seu tempo - a que eu tive o grato prazer de assistir...pronto fui lá só duas vezes, mas foi o que se arranjou - a melhor disco de NY. Música alucinante, glamour e trash tudo junto...lantejoulas e correntes, enfim, outro campeonato. Já na altura as casas de banho eram unisexo...o que dava azo a algumas - piquenas, é certo - confusões. A liberdade usada excessivamente e a responsabilidade arrumadinha na prateleira, mesmo ao pé do bourbon. A velocidade era excessiva...aliás, tudo era excessivo. Até gaiolas, com gente lá dentro, penduradas no tecto havia - penso mesmo que houve cenas de um filme Oscarizado lá filmadas. Não sei porque lá fui, mas sei porque gostei de lá ter ido.

Como ao Gabana, essa mítica disco madrileña. Essa mais ao estilo clássico do Twins ou do Banana's em Lisboa. Só entra de camisa...nada de T-shirt's e sapatilhas, nem pensar. Mas vale a pena, o ambiente é top...em todos os sentidos. Aproveito, já que falo de Lisboa, para lembrar Plateau - grande música - a Kapital - grandes gatas - e o Alcântara-mar - grandes...recordações de tempos que por lá vivi.

Bons tempos...

...e assim arrumo no sotão esta tralha que já há algum tempo me vinha pedindo a reforma.

"Terra"

Disco lights...revisited

Confesso que o que me encorajou a escrever este post foi ter ouvido uns acordes de uma música que me recolocou algures no final da década de 80. "Cadillac Solitario", dos Loquillo & Trogloditas, uma banda espanhola que, provavelmente, não dirá nada a ninguém, nos dias de hoje.

Lembro-me de ter começado na Urraca - D. Urraca, se não se importa, dirão os mais formalistas - ao som do hit máximo dos Waterbooys, The Whole of the moon. Sim, foi há muito tempo...faz agora vinte anos. Passei pelo Batô - onde se ouvia e ouve a melhor música da Peninsula Ibérica - onde ainda bebo um copo, à paisana, só para ouvir, só para me lembrar...só para me sentir vivo. Echo & the Bunnymen, BAD, Lords of New Church, The Smiths, The Cure, DAD, PIL, Iggy Pop, Lou Reed e tantos outros...tudo isto se consegue, ainda, ouvir no Batô.

Gastei muitas das minhas quartas-feiras à noite no Swing, onde dava para se ouvir de tudo um pouco...sem grande critério. Mas, no Swing, era mais importante o teatro, a componente cénica de tudo o que se desenrolava debaixo do nosso nariz - literalmente e não só - e de tudo aquilo que se podia adivinhar. Anos loucos, ainda na ressaca da revolução.

Sextas e Sábados - caso não houvesse festas à quinta - não perdoava a mim mesmo uma ausência no Twins...em abono da verdade acho que nunca corri o risco de chumbar por faltas. Sim, aos olhos de hoje era uma discoteca um bocado tótó e de betinhos, ou lá comé k se diz agora. A música comercial dava sempre motivo para desconversar ou, no rigor dos princípios, para iniciar uma desconversação...com elas, claro, as meninas mais giras do Porto. Assisti a quatro remodelações do Twins - Passerelle inclusive - e guardo muito perto de mim o seu contributo para a fase mais estratosferico-psicadélico-fantástica da minha vida.

Depois, houve, ainda, o Foz Club, situado num palacete na Avenida Montevideu - onde há pouco tempo se instalou uma clínica oftalmológica - e as suas noites, simultaneamente cool & trendy e de algum formalismo. A certa altura o Foz Club abriu uma ala para gente mais nova com música mais radical - foi lá que ouvi as primeiras músicas dos Iron Maiden, Aerosmith, Metallica e Guns n'roses. Chamava-se, precisamente, "Radical". Belas noites...de verão...quentes...perto, perigosamente, perto do mar e da lua nele reflectida.

Mas, e voltando ao princípio, ouve uma altura em que saía a correr do Twins, não para chegar às palmeiras, ainda com lugar para estacionar, mas para chegar a tempo de, na Indústria poder ouvir - lá por volta das quatro da manhã em diante - a música portuguesa que lá se ouvia: Rádio Macau, Xutos, GNR, Radar Khadafi - "No fundo da avenida, bebendo um capilé, 40º à sombra nas mesas de café", lembram-se? - Taxi, Sérgio Godinho, Jorge Palma - "Portugal, Portugal" - e tantos outros. Era o auge da noite, numa altura em que nada era premeditado, numa altura em que as companhias se formavam como que por movimentos magnéticos, numa altura em que nada procurávamos e colocávamos na vida e à disposição de todos, tudo o que de melhor e mais puro tinhamos, toda a nossa energia e alegria de viver.

Depois, bom, depois assisti já numa outra dimensão ao nascimento do Via Rápida, do Buffalo's, do Estado Novo - sim, já sei, lá em cima esqueci-me de mencionar o Cais 447, mas isso dá para um outro post...ou mais - do "Nem que chova"...e de todos os outros da Zona Industrial do Porto.

Hoje, se me perguntarem "onde é que é a ida" - frase ritual com que iniciávamos a noite - não faço a mínima ideia quanto à resposta a dar.

Sinais dos tempos...dos meus, é claro.

"Terra"

"...a man never got a woman back, not by begging on his knees..."

Ainda assim...

...ontem, a distância que me impus foi a inversamente proporcional ao desejo de te ter.
.
"Terra"

Sem máscara

Dois amantes felizes não têm fim nem morte,
nascem e morrem tanta vez enquanto vivem,
são eternos como é a natureza.
.
Pablo Neruda
.
"Terra"

Encontros


A veces recuerdo tu imagen
desnuda en la noche vacia
tu cuerpo sin peso se abre
y abrazo mi propia mentira.
As pele reanuda la sangre
tensando la carne dormida,
mis dedos aprietan, amantes,
un hondo compro de caricias.
Dentro me quemo por ti,
me vierto sin ti y nace un muerto.
Mi mano ahuyent
soledades tomando tu forma precisa,
la piel que te hice en el aire recibe un temblor de semilla.
Un quieto cansancio me esparce,
tu imagen se borra en seguida,
me llena una ausencia de hambre
y un dulce calor de saliva.
Dentro - Luis Eduardo Aute
"Fogo"

terça-feira, janeiro 30, 2007